Varejo alimentar é alvo de fake news
POR Reportagem SA+ Conteúdo
EM 13/08/2018
Uma grande rede varejista tem enfrentado a divulgação em redes sociais de promoções que não foram lançadas, mas cuja montagem é tão bem-produzida que as fazem parecer verdadeiras, o que tem gerado confusão e insatisfação entre os clientes. Para não aumentar a “bola de neve”, essa empresa preferiu não ter seu nome identificado nesta matéria. Mas ela não é a única corporação vítima de fake news. Outras empresas ouvidas por SA Varejo relatam estar sendo afetadas pela ação de pessoas ou organizações mal-intencionadas e também por gente que replica tudo o que recebe sem se questionar se aquilo é verdade.
A central de negócios Rede Top , de Blumenau (SC), concordou em relatar um caso do qual foi vítima. Uma vendedora ambulante tentava negociar seus produtos no estacionamento de uma loja, direcionando ofensas a quem não comprava suas mercadorias. Foi abordada pelo gerente, que a informou sobre a proibição daquele tipo de comércio no estabelecimento. No entanto, uma consumidora que passava por ali postou no Facebook a sua indignação com a situação, opinando que considerava um absurdo a empresa privar aquela vendedora ambulante do “direito” de vender seus produtos honestamente. Ou seja, na sua visão unilateral, formada a partir de um fragmento do que aconteceu, ela julgou e condenou o supermercado. “Casos como este exigem atenção para esclarecer as distorções e não ganhar proporções ainda maiores”, explicou Graziela Schmoller, diretora executiva da central.
Não é de hoje que as notícias falsas, ou fake news no termo original do inglês, povoam o dia-a-dia das pessoas e das empresas. Na Grécia Antiga, comerciantes dispostos a aumentar o preço dos grãos contratavam os chamados “revendedores de rumores” para espalhar boatos sobre tempestades e naufrágios e, assim, justificar a alta nos preços. A diferença é que antes a fofoca se espalhava por meio do boca-a-boca, e agora ganha uma velocidade assustadora nas redes sociais.
Definidas como conteúdos noticiosos falsos ou errados – feitos com a intenção de causar dano a algo ou alguém, e com o propósito de criar uma percepção equivocada ou mudar um pensamento coletivo –, as fake news são produzidas para serem viralizadas rapidamente, de forma a ampliar ao máximo seu impacto. “O problema é que desenvolvemos a capacidade de confiar mais no desconhecido, num robô, do que naqueles que nos cercam ou são especialistas”, afirma Luiz Peres, coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Consumo e Ética da ESPM (PPGCOM-ESPM). “Separar o joio do trigo é cada vez mais fácil, o problema está na nossa incapacidade”, acredita.
Segundo Peres, as pessoas não vão mais a fundo em nada, não leem além da manchete e das primeiras linhas. “A notícia tornou-se um bem descartável”, lamenta. “Ao mesmo tempo, vivemos uma grande transformação na mídia tradicional, cujo espaço está sendo ocupado por vários outros tipos de mídia, cada um com sua própria linguagem, o que facilita a disseminação de falsas notícias”. Paralelamente, ainda pratica-se a informação compartilhada, sem a devida checagem sobre origem e veracidade. “Estamos mais vulneráveis a dar crédito a informações que modifiquem o nosso ser, que nos agradem. Quanto mais agradar, mais rapidamente será compartilhada”, analisa o professor da ESPM.
Como as empresas podem agir
Esse raciocínio vale tanto para o cotidiano das pessoas como para o mercado corporativo. Empresas têm sofrido fortes baques nas redes sociais, sem saber exatamente como proceder. Para especialistas, em alguns casos vale responder imediatamente nas próprias redes sociais. Em outros, o caminho pode ser outras ações mais assertivas.
Para o advogado Leonardo Theon de Moraes, há três tipos de medidas que podem ser tomadas quando uma empresa é alvo de comentários negativos. Sócio-fundador do escritório Theon de Moraes Advocacia Empresarial , o especialista explica que uma possibilidade são as chamadas medidas midiáticas, aquelas que de alguma forma irão aparecer em veículos de comunicação. “Uma circunstância em que se deveria adotar apenas as medidas midiáticas seria quando um consumidor não satisfeito com o atendimento do seu estabelecimento publica uma avaliação ruim”, exemplifica. Nesse caso, uma boa maneira de tratar o problema seria direcionar uma resposta diretamente para o consumidor, encaminhando o texto de forma privada para ele ou, no máximo, para as pessoas que estão compartilhando a informação. “Uma crise nesse sentido, quando é tratada individualmente de modo a esclarecer a situação, tende a se abafar. O principal cuidado nesses casos é não direcionar respostas públicas que causem mais polêmica”, recomenda o advogado. As respostas devem ser diretas, claras e sem pontos controversos.
Outra possibilidade, explica Theon de Moraes, é recorrer a medidas administrativas, indicadas, por exemplo, quando seu estabelecimento recebeu crítica relacionada a um fato que realmente ocorreu. Ou seja, existe algo que a empresa deve corrigir. Nessa situação, além das ações que também servem para as medidas midiáticas, a empresa deve avaliar o que pode ser feito internamente para que o problema não volte a ocorrer. Um exemplo: se um cliente do supermercado foi vítima de preconceito, a empresa, além de se retratar, também deve agir de forma administrativa para evitar que isso volte a ocorrer.
A adoção de medidas judiciais é a terceira possibilidade. Trata-se de uma medida relacionada diretamente a casos em que a empresa foi vítima de fake news. No entanto, medidas judiciais só poderão ocorrer nos casos em que a notícia falsa tenha gerado danos à imagem da empresa. O advogado reforça que a medida judicial é válida apenas quando esse dano é claro e tenha sido originado por algo falso.
Leonardo Theon de Moraes lembra, ainda, que há casos em que é necessária adoção das três medidas. Isso ocorre quando há divulgação em ampla escala de uma notícia falsa sobre a empresa. Por exemplo, quando uma história inverídica é criada por um funcionário descontente. Em situações assim, o empresário precisa tomar as medidas midiáticas para conter a divulgação perante o público; as medidas administrativas para que isso não ocorra novamente; e também a medida judicial, uma vez que o ocorrido causou dano à empresa. Preparação prévia é fundamental, mesmo nas companhias que nunca foram vítimas de fake news. “É preciso ter um plano para que, quando algo inesperado acontecer, danos ainda maiores sejam evitados”, afirma o sócio-fundador do escritório Theon de Moraes Advocacia Empresarial.
Diante dessa nova realidade, governos, veículos de comunicação e empresas estão debatendo o tema fake news com profundidade, na tentativa de encontrar formas para combater a disseminação de notícias falsas e, consequentemente, seus prejuízos. Para Pollyana Ferrari, professora da PUC-SP e autora do livro “Como sair das grandes bolhas”, o caminho está na adoção de um sistema educacional melhor, que forme pessoas capazes de discernir fontes confiáveis de notícias deliberadamente mentirosas. A responsabilidade, porém, é de todos. Os veículos de comunicação precisam estancar a produção de notícias falsas. As redes sociais e outras empresas devem criar mecanismos para inibir esse tipo de veiculação. E aos órgãos públicos cabe punir os responsáveis. “Avançamos tecnologicamente, mas ainda não eticamente”, resume Pollyana Ferrari.
Como agiram empresas vítimas de fake news
Conheça dois casos de companhias que sofreram com notícias falsas, mas souberam trabalhar para esclarecer a situação
Coca-Cola Brasil e o Aquífero Guarani
O boato: A Coca-Cola estaria negociando com o governo brasileiro a compra dos direitos de exploração do Aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios de água doce do mundo.
Quando: Duas semanas antes do Fórum Mundial da Água em Brasília
O que a empresa fez: Negou a informação com uso de novas linguagens, criação de infográficos, além da distribuição de um comunicado corporativo. Criou uma seção no site da empresa chamada #ÉBoato e ofereceu um número de WhatsApp interno para seus funcionários, de forma a esclarecer e impedir que boatos ganhem força entre os colaboradores.
Achocolatado Itambé e morte por envenenamento
O boato: Uma criança teria morrido após ingerir o achocolatado Itambezinho, em Cuiabá (MT). Foi o estopim para a circulação de informações sobre a suposta contaminação de lotes inteiros do produto e até de achocolatados de outras marcas.
Quando: Agosto de 2016
O que a empresa fez: Adotou uma postura proativa e transparente em todos os canais de comunicação, como SAC, assessoria de imprensa, redes sociais e comunicação interna. Também manteve contato direto com órgãos reguladores, como a Anvisa e Secretarias de Saúde.
Recebeu uma “notícia” bombástica e quer checar se pode ser falsa?
Até para jornalistas profissionais com décadas de carreira conseguir um furo de reportagem é algo raro. Portanto, não faltam razões para você desconfiar daquelas cinco “informações” alarmantes que chegaram no seu celular só nesta semana. Confira seis passos para não cair na armadilha das fake news
1- Leia a notícia por completo em mais de um veículo
2- Pergunte a si mesmo até que ponto a notícia compartilhada tem chances de ser falsa
3- Tenha cuidado quando a fonte não está descrita no texto, o conteúdo não cita a data em que o fato aconteceu, não fala onde ocorreu e quem foram os envolvidos
4- Conteúdos compartilhados com avisos como: atenção, alerta, compartilhe rapidamente têm grandes chances de serem falsos. Trata-se de uma estratégia usada pelos produtores de fake news para propagá-las
5- Desconfie de pedidos de compartilhamento. Essa é uma das principais táticas para garantir a sobrevivência do boato
6- Verifique os erros de português, as notícias falsas não têm muito apreço pela correção gramatical
Fonte: Boatos.Org