21/10/2025
Efeito Ozempic chega às gôndolas: o que os supermercadistas devem observar
POR Gabrielly Mendes
EM 21/10/2025

Foto: Adobe Stock
O avanço do uso de medicamentos à base de GLP-1, como Ozempic, Wegovy e Mounjaro, começou a provocar mudanças no comportamento dos consumidores e nas gôndolas do varejo alimentar nacional. Segundo especialistas, a tendência é de uma reconfiguração na forma como o consumidor enxerga o ato de comer, e isso traz implicações diretas para o sortimento das lojas e a gestão de categorias.
“Esses medicamentos têm acelerado e amplificado uma tendência que vem se consolidando: a busca por mais qualidade de vida. O alimento passa a ser visto menos como fonte de prazer imediato e mais como instrumento de autocuidado e performance: ‘comer para viver melhor’, e não apenas ‘viver para comer’”, explica Fátima Merlin, CEO da Connect Shopper.
Entre os principais efeitos observados estão a redução da ingestão calórica, menor consumo de ultraprocessados e escolhas mais conscientes, voltadas a valor nutricional e saciedade prolongada. Há também maior planejamento alimentar e menor impulso de compra.
“Trata-se de um movimento menos sobre dietas e mais sobre nutrir o corpo com propósito. O consumidor tem passado a valorizar ingredientes simples e rastreáveis, valor nutricional real e não apenas ‘claims de marketing’, além de sustentabilidade e naturalidade”, afirma Merlin. A mudança pode reposicionar o varejo alimentar como “curador de bem-estar e longevidade, e não apenas um simples distribuidor de produtos.”
Reflexos no varejo ainda são limitados, mas devem crescer
Para Fernando Faro, fundador da Varejo 360, os efeitos diretos sobre o consumo ainda são marginais, mas devem se intensificar conforme o acesso aos medicamentos aumentar. “O principal efeito desses medicamentos é promover a saciedade com a ingestão de menores porções de alimentos e bebidas, portanto é esperado como reflexo principalmente uma queda no volume de compra”, explica.
Segundo ele, aproximadamente metade dos usuários de GLP-1 tem adotado hábitos alimentares mais saudáveis, com redução do consumo de açúcar, gordura e ultraprocessados. “Já os outros 50% não fazem mudanças profundas nas escolhas e hábitos alimentares. Em alguns casos, observamos até aumento de consumo de alimentos e bebidas considerados ‘não saudáveis’. Isto está ocorrendo em função de uma expectativa incorreta de que os medicamentos sozinhos resolverão o problema de sobrepeso.”
A penetração desses medicamentos no Brasil ainda é restrita: cerca de 0,5% da população, concentrada nas classes A e B e com maior presença entre mulheres (0,60%) do que entre homens (0,33%). O Distrito Federal se destaca com 1,14% da população em tratamento, percentual superior ao das demais regiões
Mesmo com baixa penetração, já há sinais de impacto no comportamento de compra. Pesquisas internacionais mostram quedas no consumo de alimentos calóricos e industrializados. Um estudo do Cornell SC Johnson College of Business identificou redução de 10% em chips, 8% em doces de padaria, 5% em biscoitos e 4% em refrigerantes entre famílias com ao menos um usuário de Ozempic. Outro levantamento da Morgan Stanley apontou que mais de 60% dos consumidores que utilizam os medicamentos diminuíram ou eliminaram doces e sorvetes da rotina.
No Brasil, Faro acredita que categorias como biscoitos e salgadinhos podem ser afetadas de forma desigual. “Biscoitos tiveram queda de apenas 1%, por outro lado, salgadinhos do tipo tortilha tiveram uma queda expressiva, de 13%. Categorias com embalagens menores e prontas para consumo tendem a permanecer na lista de compras como ‘pequenas indulgências’ que o shopper ou paciente se permite continuar consumindo”, observa.
Bebidas alcoólicas, especialmente cerveja, devem registrar maior retração de volume devido à incompatibilidade com o tratamento. Em contrapartida, “alimentos e bebidas minimamente processados e proteínas brancas, como frango e peixe, devem ser priorizados pelos consumidores neste processo de reeducação alimentar”, afirma.
O que os supermercadistas podem fazer
Para Fátima Merlin, as mudanças exigem um olhar analítico sobre o sortimento e o planograma das lojas. Ela recomenda revisão contínua de mix e planogramas, introduzindo o conceito de missão de compra (‘saúde e performance’, ‘bem-estar’, ‘conveniência inteligente’), além da redução do espaço de categorias indulgentes e ampliar o de produtos funcionais.
Outras estratégias incluem agrupar produtos por benefício, como “energia”, “saciedade” e “proteína” e explorar cross-merchandising, combinando suplementos, águas funcionais e snacks proteicos.
Para acompanhar a evolução do comportamento do shopper, a executiva defende a análise de dados de venda e penetração por categoria, pesquisas qualitativas com consumidores e testes de layout e comunicação dentro da loja.
Além disso, é recomendável a co-criação com fornecedores, desenvolvimento de minifloors de saudabilidade e comunicação educativa que compare o valor nutricional entre produtos. “Explorar produtores locais e investir em marca própria nesse universo de saúde, nutrição, bem-estar e longevidade pode ser um diferencial relevante”, complementa.
Mudança estrutural, não modismo
Os especialistas alertam que o fenômeno não deve ser tratado como algo passageiro. “Ignorar este movimento seria um erro”, afirma Faro. “Nos Estados Unidos, ele já está provocando mudanças profundas em diversas indústrias. A obesidade e sobrepeso são problemas estruturais da sociedade moderna, portanto a demanda é gigantesca e não deve ser ignorada.”
Ele ressalta que a segunda geração desses medicamentos tende a ser ainda mais eficiente, e prevê aceleração da penetração a partir de 2026.
“O BNDES está divulgando que serão produzidas no Brasil, em 2026, 20 milhões de canetas emagrecedoras, o que representa praticamente uma caneta para 10% da população. A mudança que está por vir será silenciosa. Fique atento às tendências, observe quais categorias crescem e quais caem, mas não espere uma virada drástica. Ela ocorrerá lentamente”, conclui.
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Gabrielly Mendes
Repórter