Reforma trabalhista: o que mudou nos supermercados na prática
POR Reportagem SA+ Conteúdo
EM 31/07/2018
Antes mesmo de completar o primeiro ano em vigor, a nova legislação trabalhista já modificou muita coisa na relação das empresas de todos os ramos com seus funcionários. A média mensal de processos trabalhistas, por exemplo, caiu 39% desde a mudança na legislação, segundo dados do TST (Tribunal Superior do Trabalho). Antes inexistentes, demissões em comum acordo estão cada vez mais comuns: foram 5,8 mil em dezembro de 2017, primeiro mês completa sob vigência da nova lei trabalhista e, seis meses depois, já eram 14,5 mil. No setor supermercadista, muita coisa também mudou e o balanço até aqui é positivo. Confira:
Gestores de RH ganharam mais autonomia
“A gestão de RH ficou mais flexível, sendo possível negociar com o colaborador e até mesmo otimizar processos”, afirma Carlos Rankel, gerente de recursos humanos da rede paranaense Beal . “Alguns temas, como o banco de horas trimestral, hoje possibilitam negociação com o trabalhador, atendendo às necessidades de cada um e, ao mesmo tempo, às da empresa”, completa.
Com 31 lojas no estado de São Paulo, a Coop passou a prever, na contratação do colaborador, compensação mensal de jornada e banco de horas nos contratos individuais. Com relação à gestão de RH, a rede paulista alterou algumas políticas, tais como férias, com parcelamento em até três períodos; e estrutura de cargos e salários, evitando passivo trabalhista com relação à equiparação salarial. “Também foi possível negociar diretamente com os sindicatos necessidades específicas do negócio, a exemplo de abertura em feriados”, destaca Ricardo Tavaris, gerente de RH da Coop.
Menos ‘dor de cabeça’ com ações na Justiça
Desde que entrou em vigor, em novembro de 2017, a reforma trabalhista trouxe novas responsabilidades ao trabalhador que move uma ação contra a empresa. Agora, ele está obrigado a comparecer a todas as audiências na Justiça do Trabalho e, ao perder uma ação, deve arcar com as custas do processo. Como resultado, a forte queda nas ações trabalhistas, indicada pelos dados do TST, também é notada pelos supermercados.
Na rede capixaba Extrabom , a queda foi percebida desde o primeiro trimestre de 2018: redução de 45% no número de processos ingressados, em comparação com os três primeiros meses de 2017. Em São Paulo, a Coop analisou os seis primeiros meses da nova legislação e percebeu redução de 32% na quantidade de reclamações trabalhistas, em relação a igual período sob vigência da antiga lei.
A rede gaúcha
Imec
também relata queda bastante significativa nas ações trabalhistas após a Reforma. A empresa, no entanto, acredita que a redução foi influenciada também por uma reformulação interna, implantada quatro meses antes da mudança na legislação. “Fizemos primeiramente um trabalho corretivo nas lojas, pois havia distorções. Hoje, estamos atuando preventivamente, com aplicação de normas internas, procedimentos de segurança e capacitação de todas as equipes de RH das unidades”, destaca Vera Bortolini Alves, supervisora de departamento pessoal do Imec. Um bom exemplo de que, independentemente de legislação, iniciativas internas para melhorar a relação com os colaboradores são sempre bem-vindas.
Jornada parcial é mais utilizada do que trabalho intermitente
Uma das mudanças mais comentadas da reforma trabalhista foi a possibilidade de contratar profissionais para prestar serviços com interrupções, em dias alternados ou apenas por algumas horas na semana, por exemplo em momentos de grande movimento. No setor de supermercados, no entanto, o contrato de trabalho intermitente ainda não decolou. “Temos criado espaços para debater esta e outras mudanças da reforma. As empresas ainda estão inseguras com relação a continuidade plena de todos os pontos da nova legislação, por isso a adesão aos benefícios trazidos, como o trabalho intermitente, é gradativa”, analisa Antônio Cesa Longo, presidente da AGAS (Associação Gaúcha de Supermercados). Para ele, a reforma trabalhista foi uma vitória para o desenvolvimento do País, pois fomentará a criação de novos postos de trabalho e dará segurança às empresas e aos colaboradores.
Em São Paulo, o RH da Coop ainda avalia, em conjunto com a área de operações, a viabilidade de iniciar contratações em regime intermitente. Para as datas sazonais, porém, a solução adotada é outra. “Utilizamos nesses momentos a jornada em tempo parcial. A reforma trabalhista, inclusive, trouxe a possibilidade de realização de horas extras nesta modalidade de contratação”, explica Ricardo Tavaris, gerente de RH da Coop. A cooperativa debateu o assunto com outros gestores de recursos humanos e concluiu que, para o setor supermercadista, a jornada em tempo parcial – que já existia na legislação antiga – se mostra mais vantajosa do que o trabalho intermitente.
Demissões em comum acordo: solução diplomática e dentro da lei
Se o trabalho intermitente ainda é pouco visto no setor, outra modificação da reforma trabalhista aparece com mais intensidade. A possibilidade de demissão em comum acordo entrou no texto da nova legislação para resolver impasses bastante comuns, como situações em que o funcionário não estava mais interessado, porém não deixava a empresa para não abrir mão de receber seus direitos.
“A ocorrência de demissões em comum acordo é crescente. O fundamental é que a reforma trabalhista trouxe segurança aos dois lados, garantindo direitos dos trabalhadores e oferecendo condições de diálogo para a empresa”, destaca Antônio Cesa Longo, presidente da AGAS.
A rede Extrabom concorda que o modelo de rescisão de contrato em comum acordo é um grande avanço trazido pela reforma. “Esporadicamente surgem situações em que o colaborador precisa do desligamento, por questões pessoais fortes, e a empresa hoje tem a possibilidade de acatar esse pedido de maneira legítima e justa perante a lei”, ressalta Fabiana Vieira, responsável pela gestão estratégica de resultados e pessoas do Extrabom.
Homologações no sindicato ainda acontecem
Desde que a nova legislação entrou em vigor, as rescisões de contrato podem ser feitas na própria empresa, sem necessidade de homologação por parte do sindicato ou do Ministério do Trabalho.
O Extrabom é uma das redes que está fazendo esse processo internamente. Fabiana Vieira explica que a empresa tem experiência com o assunto, pois, antes da reforma, as rescisões de colaboradores com menos de um ano de contrato já eram homologadas diretamente na companhia. Após a reforma, a prática foi ampliada aos demais colaboradores e, segundo a Fabiana, a avaliação é de que o processo tem funcionado bem.
Já na rede paranaense Beal acontecem duas situações distintas. Em Cascavel a homologação ainda acontece no sindicato, devido a parceria que há na cidade entre empresas e entidades que representam os trabalhadores. Já em Curitiba, devido à logística de locomoção, tudo está sendo feito diretamente na empresa, com os profissionais da área de departamento pessoal acompanhando o processo de desligamento.
A maioria das homologações na Coop permanecem no sindicato. “Isso não acontece apenas por força da convenção coletiva de trabalho, mas também para que o colaborador se sinta amparado em tal momento e tenha esclarecidas eventuais dúvidas por quem lhe representa”, afirma Ricardo Tavaris, gerente de RH da cooperativa.
De um modo geral, os sindicatos também seguem com participação ativa nas negociações do reajuste anual obrigatório dos trabalhadores, apesar de a nova legislação trabalhista possibilitar à empresa discutir diretamente com os funcionários uma proposta de aumento e, só então, leva-la ao sindicato. No entanto, ainda é cedo para afirmar que essa tendência será mantida. Afinal, a reforma trabalhista ainda não completou o primeiro ano em vigor, e, em diversos casos, o período data-base sequer chegou. Redes do setor ainda avaliam qual será o procedimento adotado na negociação do reajuste anual.