Sabe o segredinho do Vale do Silício?
POR Reportagem SA+ Conteúdo
EM 31/07/2018
As empresas do Vale do Silício, na baia de São Francisco, EUA, confirmam estudos sobre o benefício para os negócios de manter uma equipe bem diversicada: em etnia, cultura, formação, competências, credos. Quanto mais diversificado for o perfil dos profissionais, maiores as chances de sucesso. No Brasil, entretanto, isso é diferente. Apesar de sua diversidade étnica e cultural, essa vantagem competitiva pouco aparece, sobretudo entre os cargos de liderança. Uma pena. Afinal, a diversidade é capaz de gerar inovação e produtividade.
Divulgado pela primeira vez pela McKinsey em 2015, o relatório Diversity Matters avaliou a relação entre diversidade e desempenho em empresas de diversos países. Entre os resultados, os autores constataram que companhias com pouca diversidade nos cargos de liderança estão estatisticamente menos propensas a obter retornos acima da média nacional do mercado em que atuam. Além disso, a diversidade é, provavelmente, um diferencial competitivo que, ao longo do tempo, transfere market share para as empresas mais diversificadas.
Embora o relatório pondere que essa correlação não significa uma consequência inevitável – ou seja, a maior diversidade de gênero e de etnia na liderança corporativa não se traduz automaticamente em mais lucros –, o estudo indica que, quando as empresas se comprometem a ter uma liderança diversificada, tendem a ser mais bem-sucedidas.
Benefícios da Diversidade
Os autores do relatório Diversity Matters acreditam que as empresas mais diversificadas são capazes de atrair profissionais mais talentosos, de aumentar sua orientação para o cliente e a satisfação dos funcionários, além de melhorar a tomada de decisões. Tudo isso leva a um círculo virtuoso de retornos crescentes. Os resultados do estudo sugerem, ainda, que outros tipos de diversidade, entre as quais de idade, orientação sexual e experiência, também podem propiciar certa vantagem competitiva para as empresas que conseguirem atrair e reter talentos tão diversificados.
Como garantir diversidade na sua empresa
Fundadora e CEO da Gestão Kairós, empresa especializada em Sustentabilidade e Diversidade, Liliane Rocha tem larga experiência no tema. Ela explica que, tecnicamente, uma empresa com diversidade e inclusão no ambiente de trabalho consegue ter representada, no seu quadro de funcionários, a demografia da sociedade brasileira ou da localidade em que está inserida. A especialista, que também é autora do livro “Como ser um Líder Inclusivo”, exemplifica citando alguns números. Vale conferir e refletir sobre a realidade das equipes da sua empresa:
• Mulheres são maioria da nossa população
• 54% dos brasileiros são negros
• cerca 45 milhões de pessoas no Brasil possuem algum tipo de deficiência
• em torno de 10% da população mundial são homossexuais
Se o seu supermercado está longe de ter esses grupos bem representados, isso é ruim, mas ele não é o único. “Muitas empresas têm conseguido levar diversidade ao ambiente corporativo, no entanto poucas – talvez nenhuma – estão bem em todos os grupos”, constata Liliane. “Ou são ótimas na inclusão de pessoas com deficiência ou valorizam a presença de mulheres entre as lideranças”, exemplifica.
Uma desculpa comum é a dificuldade para encontrar essas pessoas. Mas, em muitos casos, são erros da própria empresa que as mantém distantes. E eles começam no processo de recrutamento. Dentro dos trabalhos de consultoria prestados pela Gestão Kairós a empresas interessadas em levar diversidade a suas equipes, já foi necessário revisar textos e design dos anúncios de vagas de emprego divulgadas. Um erro comum nos anúncios com imagem é ilustrá-los sempre com fotos de pessoas brancas, o que, mesmo que indiretamente, inibe a inscrição de candidatos negros. Falta de clareza no texto é outro problema. Um anúncio do tipo: Estamos contratando vendedor” passará às mulheres a impressão de que elas não são bem-vindas nesta vaga.
Grau de exigência acima do necessário para o cargo também é um fator que bloqueia a diversificação de candidatos, uma vez que nem todos os grupos da nossa população têm acesso às mesmas condições de formação. Quando um recrutador exige que o candidato tenha estudado em alguma das três ou quatro universidades mais reconhecidas, por exemplo, pode estar desperdiçando a chance de levar para a empresa pessoas com diferentes visões de mundo e mais experiência prática, fatores que, muitas vezes, compensam uma formação educacional menos consistente.
Outra dica importante é trabalhar com metas, por exemplo, de ter ao menos uma mulher a cada três candidatos na fase final dos processos de seleção. “Trabalhei em diversas grandes empresas e todas elas tinham metas para todas as áreas. Por que não ter metas também para diversidade?”, questiona Liliane Rocha.
Retenção de talentos ajuda a manter diversidade
Cuidados no processo de seleção são essenciais, mas não bastam. Reter esses profissionais também é fundamental. Um dos erros mais comuns é contratá-los, porém apenas para cargos básicos sem prognóstico de crescimento na empresa. Quer um exemplo: talvez seu supermercado tenha muitas mulheres na equipe, mas será que quase todas são operadoras de checkout ou trabalham na limpeza, sem enxergar perspectivas de avanço na carreira? Situações assim desanimam qualquer um. O estudo original Diversity Matters incluiu 67 empresas do Brasil. Nelas, apenas 6% dos executivos eram mulheres.
Quer outro exemplo? Muitas empresas se queixam da alta rotatividade entre as pessoas com deficiência, mas poucas param para refletir que não basta contratá-los e esquecê-los em um cargo básico, como o de auxiliar administrativo, sem que possam vislumbrar novos patamares.
Engajamento das lideranças é muito importante
Garantir a diversidade é um trabalho que precisa do engajamento de todas as lideranças, principalmente do CEO. Três áreas costumam tratar mais diretamente do tema, dependendo da estrutura de cada organização. São elas: RH, Sustentabilidade e Comunicação. Um trabalho importante tem a ver com a cultura organizacional e deve ser feito para que esses profissionais se sintam respeitados na empresa, pelas lideranças e pelos colegas. Uma boa estratégia de comunicação pode deixar claro aos demais colaboradores que ninguém foi contratado por ser negro, mulher, LGBT+, pessoa com deficiência ou por pertencer a qualquer outro grupo. Eles simplesmente estão ali porque são os melhores para aquela vaga, e só foram encontrados justamente porque a empresa apoia a diversidade.
“Essas pessoas precisam sentir que podem trazer sua voz à empresa, contribuir com o seu ponto de vista. Por isso, ter presença na liderança é fundamental”, destaca Liliane Rocha, CEO da Gestão Kairós. Zelar pela diversidade é um trabalho cujos resultados aparecerão sob diversas formas e beneficiarão a companhia e todos os seus colaboradores, independentemente do perfil de cada um deles. Conviver com o diferente traz novas perspectivas, incentiva a criatividade, a busca por soluções novas. Cabe à empresa criar condições para que essa troca entre pessoas de diferentes grupos e perfis seja contínua. Como diz uma frase muito propagada por quem trabalha com o tema: “Diversidade é a mistura, e inclusão é fazer essa mistura dar certo”.
• Empresas com diversidade racial e étnica são 33% mais propensas a obter retornos financeiros acima da média nacional de seu setor
• Companhias com diversidade de gênero são 21% mais propensas a obter retornos financeiros acima da média nacional de seu setor
Fonte: McKinsey/Relatório Diversity Matters 2018