Colaboração entre varejo e indústria é boa notícia em meio ao caos do Coronavírus

Fernando Salles -

"Se existia algum conflito comercial na semana passada, agora não existe mais. Os dois lados estão juntos em uma missão de cidadania, que é abastecer a população", afirma André Felicíssimo, da P&G

Várias semanas ainda virão com notícias tristes sobre os impactos da tragédia global do novo Coronavírus. Todo momento difícil, porém, traz grandes aprendizados. Na cadeia de distribuição, uma informação alentadora é o avanço do trabalho colaborativo entre varejo e indústria. A percepção é de André Felicíssimo, vice-presidente de vendas da P&G , companhia responsável por algumas das marcas de bens de consumo mais vendidas do País, como Ariel, Downy, Gillette, Oral B e Pampers.

"Se existia algum conflito comercial na semana passada, agora não existe mais. Os dois lados estão juntos em uma missão de cidadania, que é abastecer a população", afirma o executivo. Exemplo disso ocorreu quando as reuniões presenciais foram substituídas pelo atendimento remoto. De cara, houve total concordância entre P&G e varejistas de que o momento exigia mesmo o cancelamento das visitas. Mas havia um ponto que poderia ser entrave: por questões de segurança, a fabricante tem como norma global não recorrer ao WhatsApp nas confirmações de pedidos e outras definições contratuais. Para centralizar os acordos, era preciso que os clientes instalassem o Microsoft Teams , plataforma de comunicação com diversos recursos e funcionalidades. Foi mais fácil do que se poderia imaginar: todos concordaram em baixar o programa e passaram a utilizá-lo sem colocar obstáculos.     

    

Em diversos momentos da entrevista exclusiva à SA Varejo, André Felicíssimo destacou essa empatia como um dos aspectos que mais chamam a atenção no trabalho conjunto neste momento de tanta tensão no Brasil e no mundo. "Só temos a agradecer aos nossos clientes. O que estamos vendo é, de fato, um resgate da colaboração entre varejo e indústria".

Ponto de inflexão no uso da tecnologia   

Nas palavras do VP de vendas da P&G, um dos diversos aprendizados deste momento é de que a tecnologia pode ser usada de forma mais frequente nas rotinas comerciais que envolvem supermercado e fornecedor. Afinal, está claro que, em um período tão crítico para a cadeia de distribuição, os recursos tecnológicos já se mostram eficientes e confiáveis para reduzir as distâncias sem prejuízo às definições comerciais. Passada a crise sanitária, a tendência apontada é de que as reuniões "olho no olho", sempre importantes, tenham foco cada vez maior em aspectos estratégicos, como o desenvolvimento das categorias .        

Previsão de demanda

Dias antes da proliferação da Covid-19 se tornar exponencial no Brasil, André Felicíssimo reuniu, em conferência remota, todo o seu time, composto por cerca de 300 pessoaas em diversas partes do Brasil. Na conversa, ficou estabelecido que a P&G teria 4 prioridades no trabalho com seus clientes varejistas/atacadistas neste período. As duas primeiras são, justamente, Segurança e Conectividade, refletidas em decisões como as de evitar contatos pessoais e centralizar conversas em uma plataforma eficiente e confiável.

O terceiro aspecto prioritário está diretamente relacionado à Demanda. Com a expertise de uma companhia presente em 170 países, a P&G estudou comportamentos de consumo registrados em mercados de nações nas quais a Covid-19 se alastrou há mais tempo, sem desconsiderar, é claro, características próprias do Brasil.

Com base nesse conhecimento, André acredita em dois efeitos distintos na procura. Um deles é o de curto prazo, em curso já há alguns dias, movido por um desespero inicial por estocar produtos – no portfólio da companhia, ocorre na categoria de fraldas, por exemplo. A tendência, segundo o executivo, é de estabilização dentro de aproximadamente uma ou duas semanas. Daí em diante começa o efeito de médio prazo, que deve perdurar por pelo menos três ou quatro meses. Para esse novo momento, a P&G trabalha com expectativa de que as vendas de sabonetes se mantenham 90% superiores em comparação com períodos habituais, em razão do nova hábito de lavar as mãos constantemente, que não deve ser abandonado pelo consumidor tão rapidamente. Outras categorias com potencial estimado de crescimento expressivo nos próximos meses são: produtos para lavagem de roupas (40%), fraldas e itens de oral care (20% cada).  

Não por acaso, as fábricas da P&G estão produzindo em ritmo máximo, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Segundo o vice-presidente de vendas da P&G, neste primeiro momento de demanda mais intensa nem todos pedidos são atendidos de imediato, mas não chegam a ocorrer gargalos e nem há qualquer previsão de problemas sérios de distribuição. Inclusive porque a quarta prioridade definida pela companhia é a Cobertura de Loja, ou seja, garantir que as mercadorias cheguem aos supermercados e estejam disponíveis nas gôndolas.

Entre as ações nesse sentido, a empresa manteve em campo sua carga total de promotores (terceirizados) e seu time próprio de supervisão desse trabalho. Todos esses profissionais foram orientados sobre os cuidados que devem observar para preservar a saúde, e aqueles em situação de maior risco – pela idade, por exemplo – foram momentaneamente substituídos. "Caso sejam definidas proibições de circulação, esperamos que o poder público considere a importância dos profissionais que trabalham no abastecimento das lojas e permita que eles se desloquem ao trabalho em condições seguras", ressalta André Felicíssimo.