Walmart Brasil terá de vencer fortes desafios para elevar resultados

Sheila Hissa - sheila.hissa@savarejo.com.br -

Mapeamos as dificuldades que a rede varejista, agora rebatizada como Grupo Big, terá para tirar o atraso em relação aos concorrentes

Mais de um ano após passar para controle da Advent , gestora de fundos de private equity, o Walmart Brasil ainda parece longe de sair da crise que vive há anos. A empresa acaba de ser rebatizada como  Grupo Big , e de anunciar mudanças em suas marcas. Já se sabe que no Nordeste as lojas de hipermercado mudarão de nome para Big Bompreço, enquanto as de supermercado serão Super Bompreço. No Sul e Sudeste, a bandeira Big será utilizada no formato hiper e a marca Nacional foi a escolhida para os supermercados. Aos poucos, o nome Walmart desaparecerá da fachada das lojas. As mudanças começaram, mas os desafios seguem enormes.   

Um recorte na empresa mostra que nem o investimento de quase 2 bilhões de reais anunciado para a operação até 2021 sugere um caminho sólido para a companhia. Após ouvir observadores do mercado e especialistas em varejo, mapeamos as dificuldades enfrentadas pela empresa para vencer o atraso que mantém em relação aos concorrentes. Nenhum analista quis se identificar para que as considerações fossem mais transparentes, e o Walmart comunicou, por meio de sua assessoria, que ainda não pode conceder entrevista.

Os problemas da companhia passam pela relativa falta de experiência com atacarejos, a saída do e-commerce, o próprio nome da bandeira, a política de preço, entre outras questões.

Maxxi devagar, devagarinho
O atacarejo do Walmart, que passou a ser foco do negócio com a entrada da Advent, tem hoje baixa representatividade no mercado. “E tem uma experiência menor do que a do Atacadão e do Assaí , que já ampliaram sua presença, já passaram por vários testes e esforços e puderam ajustar a bússola”, afirma um analista do mercado financeiro. Os líderes regionais que também entraram no negócio têm obtido bons resultados e já marcaram o terreno em suas áreas de atuação. “Já a experiência do Walmart é maior com os hiper, que ainda têm mercado, mas cada vez mais limitado. Transformar um hiper em atacarejo é um processo caro e, portanto, um fator de risco para uma recuperação consistente da organização”, acrescenta o mesmo especialista. Os concorrentes estão aproveitando há anos a demanda por preço baixo e continuarão fortes nos próximos anos. “Teremos um período longo de recuperação econômica, o que favorecerá quem já está com os pés fincados no atacarejo”, diz.

Preços e dúvidas
Uma sondagem feita por SA Varejo em três lojas da companhia no início de junho mostra que o posicionamento de preço de cada bandeira está coerente com sua proposta. Foram visitados, em São Paulo, um hiper Walmart, uma loja Sam’s Club e outra Maxxi , e comparados os preços de uma mesma cesta com 20 SKUs. A cesta do Maxxi é 9,6% mais barata do que a do hiper Walmart e 5,1% mais em conta do que a do Sam’s Club. “Essa coerência é acertada, e parece que o atual presidente da empresa, Luiz Fazzio, está subindo os preços nas prateleiras. Mas o que importa é a margem de cada bandeira e a competitividade em relação às lojas próximas. É isso que diferencia o vencedor”, argumenta um consultor. Outro especialista lembra que a nova direção anunciou o fim da política “everyday low price”, uma das estratégias que atrapalharam a rede no País. O brasileiro gosta de promoção e o Walmart não soube lidar com isso. “O que surpreende é que as lojas continuam sem os cartazes amarelões, que enfeitiçam o cliente. Elas continuam sem vida e isso é sempre um perigo”, acredita.

Sortimento: tiro na margem
Se o sortimento do hiper Pacaembu indicar o que acontece em outras lojas, o Walmart prossegue errando o passo. A loja tem excesso de marcas em alimentos. No caso de leite UHT, são nove marcas. Em feijão a diversidade é tão grande, que chega a confundir o consumidor. Segundo um consultor em gerenciamento por categorias, essa variedade é um equívoco. Toda loja precisa oferecer opção de escolha em embalagem, aromas, sabores, mas excesso de marcas gera confusão, irrita o cliente e dificulta o giro das mercadorias. “O lema ‘tudo para todos’ entrou em desuso faz tempo”, afirma. Como a gestão de sortimento é a base do bom desempenho comercial, se há excesso de itens e não se baixa o preço para abrir espaço nas prateleiras, o resultado é ruim. “Por medo de perder margem, ou para aproveitar descontos de fornecedores, a área comercial se precipita e erra. Às vezes deixa de comprar produtos de alto giro por ter excesso de outros produtos, e tudo isso cria uma enorme bola de neve”, completa.

Preco na prateleira: balburdia!
No mesmo hiper Pacaembu, as etiquetas de preço na prateleira estão tão espremidas entre os incontáveis itens, que atordoam o consumidor. Difícil saber a que produto corresponde o preço. Em algumas seções, o mesmo item aparece com valores diferentes. E packs promocionais são expostos sem o preço. “O antigo Walmart estava com a equipe de chão da loja enxuta e isso não mudou”, esclarece o especialista em gerenciamento por categorias. “Essa contenção de custos, tão cara a fundos de investimento e ao atual presidente da rede, afasta o consumidor em vez de atraí-lo e gera uma imagem ruim para a rede”, declara.

Marca própria mas...
Ainda não está clara nas gôndolas a política de marcas próprias da companhia. Mas um analista do setor de consumo e varejo acredita que elas poderão ajudar o Walmart a ganhar margem e a se recuperar. “A empresa tem um amplo portfólio, herdado das empresas adquiridas, e, se trabalhar direito, terá um baita ativo para gerar receita e lucro”, defende. “Se o GPA espera que a marca própria represente 30% das vendas, por que o Walmart rejeitaria essa oportunidade?”, pergunta. O analista explica ainda que esse é um caminho sem volta, já que no mundo inteiro marcas de indústrias tradicionais estão decaindo e perdendo o gigantismo. “Por alguma razão, a promessa e a credibilidade que elas entregavam já não fazem sentido para o consumidor”, especula.

Desgaste da grife
Além do pagamento de royalties para a empresa americana, que detém 20% do negócio, manter os nomes Walmart e Sam’s Club pode ser perigoso para a companhia. “A atual direção deve estar fazendo pesquisas para conhecer a opinião do consumidor, mas minha impressão é de que não valerá a pena preservar os nomes,” afirma um especialista em gestão de marcas. Ao contrário do Carrefour , que também teve a chancela desgastada após vários desacertos no Brasil, e se recuperou, o Walmart não exibe um composto de ativos rotundo. Não tem, por exemplo, pontos comerciais fortes e um bom portfólio de serviços. “Além disso, a empresa enfrentou sérios problemas com o sistema de informática e também com o modelo de negócio e os problemas globais da empresa. Ou seja, sua marca está enferrujada, e o desafio de trazê-la à tona novamente é bem grande”, declara o especialista.

E-commerce: espanto!

Os consultores foram unânimes em desaprovar a saída da empresa do e-commerce e também dificil do marketplace. Para um especialista em mercado digital, a atual diretoria desconhece o negócio online. “Não entende que o e-commerce é apenas uma ponta do todo e beneficia os resultados do todo. A decisão não chegou a me surpreender porque o Luiz Fazzio fez o mesmo no Carrefour, quando liderou a empresa. Ele pega empresas em momentos difíceis, corta radicalmente custos, define prioridades imediatistas, e detona o futuro”, esbraveja.

Segundo o especialista, faltou à nova direção conhecimento sobre a plataforma: ela rodava 3 milhões de SKUs, tinha 4 mil sellers (empresas que vendiam no marketplace) e contava com 12 milhões de clientes cadastrados, 40% ativo (com compra pelo menos uma vez por ano).

“O Walmart tem um arquivo digital de alto investimento e valor. Mas, se não for atualizado constantemente, oxida e aí será necessário investir milhões novamente”, comenta o especialista.

Plataforma própria, na opinião do especialista, é um patrimônio, do contrário a empresa fica na mão de terceiros. “O impressionante é que a atual direção derrubou o sistema num momento em que já está claríssimo o papel do e-commerce e que os grandes concorrentes colocam o pé no acelerador. É um total contrafluxo. O e-commerce é um investimento de longuíssimo prazo e não traz lucro de imediato, mas não pode ser evitado ou protelado. É uma exigência concreta do mercado, não é conversa de tecnonerds. A cada mês parado, o Walmart perde 6 meses do futuro.”

Corte na carne
O sócio-diretor de uma grande consultoria acredita que uma vantagem do Walmart é ter Luiz Fazzio como CEO. Ele tem 37 anos de trabalho no varejo e foi responsável pela recuperação financeira do Carrefour, o que viabilizou mudanças importantes no negócio e consequente crescimento. “Sem uma reordenação de custos e sem novas estratégias de investimento, nenhuma empresa em dificuldade sobrevive”, aposta.

O papel da Advent
Fundos de investimento podem ser afortunados ou malsucedidos. Tudo depende do gestor, das estratégias e do prazo que definem para sair do ativo comprado. Os Private Equity, como Advent, compram, fazem crescer e vendem para ganhar dinheiro. Normalmente em cinco anos. “Se o Advent comprou o Walmart por um prazo de cinco anos, se equivocou. Só daqui 10 anos ou mais, a rede poderá alcançar bons resultados. A concorrência está anos-luz à frente”, diz um especialista em aquisições. Segundo ele, a rede tem lojas muito defasadas e quantidade desproporcional de hiper em relação às empresas mais bem-sucedidas. “A concorrência caminha a passos bem mais largos. Será necessário muito esforço para alcançá-la,” adverte.

 

  ,     e     !